Ao concelho de Peniche encontram-se associadas várias lendas, tais como as lendas da Senhora dos Remédio e da Senhora da Ajuda ou a lenda dos Passos de D. Leonor.
As primeiras referem-se à descoberta das referidas imagens marianas em grutas, após um longo período de ocultação, habitualmente explicado pela presença muçulmana no território, ícones religiosos que terão estado na origem da edificação de templos consagrados à Virgem.
Já a lenda dos Passos de D. Leonor trata o tema recorrente do amor proibido entre membros de famílias rivais que termina necessariamente em tragédia.
Conhecem-se também algumas lendas alusivas à realidade histórica local, como a lenda de S. Leonardo, alusiva à origem francófona da vila medieval de Atouguia da Baleia, ou ainda a lenda da Senhora das Mercês, memória de um passado não muito distante marcado pelo temor das gentes deste território perante as frequentes investidas da pirataria muçulmana norte-africana.
-
Lenda Srª. das Mercês
- Ermida de S. Estevão
Segundo esta lenda, por volta de 1590, a costa de Peniche teria sido saqueada pela pirataria muçulmana que, tendo aprisionado vários cristãos, furtou, entre outros objectos, a imagem de Nossa Senhora das Mercês, venerada na ermida do Baleal.
Conta-se que alguns anos mais tarde, um dos cristãos de Peniche que havia estado sob cativeiro muçulmano, indo no seu barco até Argel, reconheceu em casa de um indígena a referida imagem da Virgem das Mercês.
No intuito de resgatar a imagem, e apesar da sua pobreza, negociou pagar o exacto peso da imagem em prata.
Pouco confiante em reaver a dita imagem, o cristão viu-a ser colocada num dos pratos de uma balança e miraculosamente assumir um peso de tal forma diminuto que uma ínfima quantidade de prata foi suficiente para resgatar a imagem da santa das mãos do infiel.
Cumprindo-se o acordado, pôde a imagem de Nossa Senhora das Mercês regressar à ermida do Baleal.
(Texto adaptado de Peniche na História e na Lenda, de Mariano Calado) -
Lenda Srª. dos Remédios
- Imagem de Nª Srª dos Remédios
Conta esta lenda que, tendo os muçulmanos ocupado este território no séc. VIII, os cristãos aqui instalados receosos que a imagem da Virgem, muito venerada, fosse profanada pelos ditos infiéis, a procuraram esconder numa gruta junto ao actual Cabo Carvoeiro, tendo esta aí ficado guardada durante muitos anos.
Entretanto, durante o séc. XII, no reinado de D. Afonso Henriques, um criminoso, fugido à justiça, procurava refúgio nas cavidades rochosas da vertente ocidental da então ilha de Peniche, quando de forma providencial encontra numa pequena gruta a imagem da Virgem, que havia sido escondida quase quinhentos anos antes.
Maravilhado com a descoberta, não se atreveu porém de imediato a dela dar notícia aos habitantes locais, devido à sua situação de foragido.
Todavia não se conseguindo conter revela este segredo a um grupo de crianças, que brincavam junto aos rochedos vizinhos, e que surpreendidas correram para casa informando do magnífico achado. Em breve, toda a povoação se deslocou à dita gruta para admirar a imagem da Virgem.
Receando que naquele sítio a imagem estivesse sujeita a roubo ou profanação, trataram os habitantes de a levar para a então existente igreja de S. Vicente, em Peniche de Cima.Porém, de todas as vezes que o tentaram a imagem misteriosamente desaparecia do seu altar, voltando a ser encontrada na mesma gruta onde havia sido descoberta.
Certos de que tal fenómeno correspondia à vontade da Santa, ergueram sobre a dita cavidade uma pequena capelinha, antecessora da actual Capela de Nossa Senhora dos Remédios, onde ainda hoje se conserva a sagrada imagem.
(Texto adaptado de Peniche na História e na Lenda, de Mariano Calado) -
Lenda de São Leonardo
- São Leonardo - Atouguia da Baleia
Certo dia, uma nau vinda do sul de França transportando vários prisioneiros terá naufragado no então porto de Atouguia da Baleia. Os sobreviventes, em sinal de agradecimento, terão então mandado edificar um templo consagrado a S. Leonardo, seu patrono, oferecendo a imagem que ainda hoje se venera na referida igreja.
Porém, alguns desses francos não desejavam abdicar da imagem, esperando apenas um pouco de vento de feição para zarpar do porto de Atouguia rumo à sua pátria. Todavia passaram-se meses sem que o mar possibilitasse o encetar da viagem de regresso. Algo que só veio a suceder quando estes cederam definitivamente a imagem de S. Leonardo, reconhecendo que seria desejo do santo permanecer nesta vila.
(Texto adaptado de Peniche na História e na Lenda, de Mariano Calado) -
Lenda Passos de D. Leonor
- Sítio dos Passos de D. Leonor
Conta-se que, no séc. XVI, existiam em Peniche dois fidalgos abastados que nutriam um ódio recíproco, por força de antigas disputas, sendo que nada no mundo os fazia esquecer a visceral rivalidade.
Quis porém o destino que Rodrigo, filho de um deles, se enamorasse perdidamente por Leonor, a bonita e prendada filha do outro dos fidalgos desavindos.
Conhecedores do ódio que separava os pais, Rodrigo e Leonor não ousavam revelar os seus sentimentos, temendo as repercussões de tal descoberta. Todavia, tal veio inevitavelmente a verificar-se, tendo o pai de Rodrigo, perante a firmeza da decisão do filho, e na convicção da necessidade de separar os jovens amantes, resolvido degredá-lo para a ilha da Berlenga, onde ingressou como noviço no mosteiro de frades Jerónimos ali existente.Apesar de contrariado, Rodrigo obedece a seu pai partindo para a ilha da Berlenga, convicto do seu amor e resoluto a contra tudo e contra todos continuar a amar a sua Leonor.
Com efeito, Rodrigo com a ajuda de Gil, um pescador seu amigo, faz-se transportar num pequeno batel todas as noites até uma gruta situada na orla meridional de Peniche, onde Leonor o aguardava, sinalizando a sua presença com a luz de uma lanterna.
Este encontros furtivos repetiram-se por inúmeras ocasiões, até que certa noite, descobertas as saídas de Leonor, viu-se a jovem donzela perseguida pelos servos do pai e, na precipitação da fuga, saltando de rochedo em rochedo, resvalou nos seixos da encosta e na negrura da noite tombou do alto de um penedo, afogando-se no mar.
Pouco depois, como de costume, aproxima-se Rodrigo para mais um encontro amoroso. Não observando o sinal combinado, o jovem preocupado chama em vão pela sua amada. O tempo vai passando sem sinal de Leonor até que Rodrigo angustiado consegue vislumbrar a boiar no mar o terno manto branco da sua enamorada. Então, o desespero apodera-se de Rodrigo que, na esperança de resgatar Leonor, se atira ao negro oceano do alto da traiçoeira falésia.
Dias depois, é resgatado nas areias de um carreiro vizinho o pobre corpo de Leonor que terá sido depositado no adro da capela de Santa Ana, situada não muito longe.
Quando ao corpo do desventurado moço conta-se que terá sido encontrado na costa norte, junto a uma rocha a que se deu o nome de Laje de Frei Rodrigo.
A gruta que foi palco de tão trágico amor mantém, ainda hoje, a memória desta história sendo localmente conhecida por Passos de D. Leonor.
(Texto adaptado de Peniche na História e na Lenda, de Mariano Calado)