- Livro do Tombo de Atouguia da Baleia
O concelho de Peniche possui uma longa e rica História, tendo sido sucessivamente ocupado por populações que, ontem como hoje, fizeram da pesca e da agricultura as suas principais actividades económicas.
A sua especificidade geo-morfológica, oscilando entre uma realidade insular/peninsular, parece ter moldado e condicionado de um ponto de vista socio-económico e cultural, as populações que ao longo dos tempos ocuparam este território, permitindo simultaneamente que o concelho de Peniche fosse palco de importantes acontecimentos históricos de índole nacional e internacional.
-
Apontamento Histórico
- Mapa da Península de Peniche - Séc. XVII
Desde cedo que esta região estremenha parece ter despertado o interesse das primeiras comunidades humanas que, perante a diversidade de recursos disponibilizados, aqui se terão fixado. Os principais sítios pré-históricos conhecidos no concelho correspondem a ocupações em gruta, destacando-se um importante conjunto constituído pelas grutas da Malgasta, Lapa Furada, Cova da Moura (situadas na zona Sudoeste do concelho, no Planalto das Cesaredas) e Gruta da Furninha, esta última situada na orla meridional da península de Peniche registando um historial de ocupação que remonta ao Paleolítico Médio.
Durante a época romana tem lugar a consolidação de uma economia assente no cultivo das férteis terras aluviais contíguas ao Rio de S. Domingos e à Ribeira de Ferrel e na exploração de recursos estuarinos e marinhos. Esta última componente parece ter assumido especial importância como parece demonstrar a descoberta no Morraçal da Ajuda (Peniche) de um complexo oleiro que se teria dedicado principalmente à produção de ânforas destinadas ao envase de preparados de peixe.
A então ilha de Peniche assentaria a sua actividade económica na exploração de recursos marinhos, particularmente na produção de conservas de peixe, actividade industrial que volvidos dois mil anos continua a laborar nesta terra piscatória.
A presença romana parece também estar atestada no Arquipélago das Berlengas. Hoje reserva natural, a ilha da Berlenga viu na antiguidade as suas águas abrigadas serem fundeadas por embarcações romanas, facto demonstrado pela identificação e recuperação, nestas águas, de cerca de uma vintena de cepos de âncora em chumbo e de várias ânforas romanas.
Para a Idade Média as fontes históricas falam de uma ilha de Peniche integrada na esfera económica e administrativa da importante Vila de Atouguia da Baleia.
Herdade cedida em 1148 por D. Afonso Henriques ao cruzado franco Guilherme de Cornes, como recompensa pelo auxílio prestado na tomada de Lisboa, Atouguia da Baleia é mais tarde elevada à categoria de Vila, conhecendo durante a Idade Média um grande desenvolvimento económico, mercê de uma rentável actividade piscatória assente na captura de espécies como a baleia, cetáceo que aliás dará o nome à povoação.
Se até ao séc. XV a pouco povoada ilha de Peniche terá vivido na dependência económica e administrativa da Vila de Atouguia da Baleia, a partir deste período, com a lenta formação do actual cordão dunário que liga Peniche ao continente e com o consequente assoreamento do porto desta vila, assiste-se ao povoamento da agora península através da implantação de dois núcleos urbanos: Peniche-o-Velho (actual Peniche de Cima) e Ribeira (actual Peniche de Baixo), estando este último na génese da jovem povoação de Peniche, elevada em 1609 à categoria de vila e sede de concelho, autonomizando este território peninsular do concelho de Atouguia da Baleia.
Este crescimento urbano, resultante do progressivo aumento do número de moradores na povoação, foi proporcionado pela intensa exploração dos recursos económicos disponíveis na península de Peniche, destacando-se a vigência de uma agricultura assente no cultivo dos cereais e da vinha, a construção naval e, obviamente, a pesca.
Por outro lado, também a edificação faseada de um sólido sistema defensivo, processo iniciado por D. Luís de Ataíde (Conde de Atouguia e Vice-rei da Índia entre 1568-71 e 1578-81), parece ter contribuído para um certo clima de prosperidade, ao inibir os até aí frequentes ataques da pirataria muçulmana norte-africana e ao impossibilitar desembarques hostis.
Com efeito, na sequência do desembarque inglês de 1589, no qual um exército invasor liderado por D. António Prior do Crato, pretendente ao trono de Portugal, e pelo general inglês John Norris, desembarcando junto à Consolação, marchou com relativa facilidade até às portas de Lisboa, trataram os monarcas filipinos e, principalmente, D. João IV, de fortificar a península de Peniche com um sólido e imponente sistema defensivo de forma a evitar a sua tomada ou o desembarque nas suas praias de forças invasoras hostis à nacionalidade.
Este complexo sistema defensivo, concluído no séc. XVII, era constituído por várias fortificações localizadas sobranceiramente ao mar, vigiando o acesso a vários pontos da costa considerados de vital importância estratégica. O acesso à Vila de Peniche era condicionado pela presença da Fortaleza de Peniche e de um longo pano amuralhado, que se estendia perpendicularmente à península de Peniche ligando o Forte das Cabanas, no Sul, ao Forte de Nossa Senhora da Luz, no extremo Norte da península. Completando a defesa da região, encontravam-se os fortes de S. João Baptista, construído na Ilha da Berlenga, e de Nossa Senhora da Consolação, localizado no dito lugar da Consolação.
Durante os séc. XIX e XX verifica-se no concelho de Peniche a consolidação de uma estrutura económica e social assente na exploração dos recursos agrícolas e numa intensa actividade piscatória, realidade que perdurou até à actualidade.
Se no interior do concelho a presença de cursos de água, como o rio de S. Domingos ou a ribeira de Ferrel, possibilitaram o desenvolvimento neste período de uma importante actividade agrícola, que polvilhou a paisagem rural com férteis hortas e pomares, já na faixa litoral do concelho, particularmente na península de Peniche, prevaleceram a faina piscatória e indústrias adjacentes como principais actividades de subsistência.
De um ponto de vista administrativo, assiste-se em 1836 à extinção do concelho de Atouguia da Baleia, e à anexação do seu território pelo concelho de Peniche, estabelecendo-se os actuais limites do território concelhio.
Já durante o séc. XX, decorre uma rápida e profunda transformação da actividade piscatória, traduzida na substituição das tradicionais embarcações e técnicas de captura pela moderna traineira motorizada, prevalecendo a produtiva pesca de cerco.
Fruto desta evolução presencia-se o desenvolvimento de várias indústrias ligadas à pesca, como a congelação, a salicultura, a indústria conserveira ou a construção naval, actividades que associadas ao cultivo da vinha complementam o tecido produtivo desta península.
Neste período tem lugar também a uma lenta mas progressiva melhoria da qualidade de vida das populações do concelho. Nesse sentido são criados, durante a primeira metade do séc. XX, vários bairros operários e de pescadores, em substituição de velhas habitações abarracadas; implanta-se uma rede pública de abastecimento de água, em substituição dos ancestrais poços comunitários e cisternas, e é introduzida, de forma particularmente precoce, a energia eléctrica.
Esta lenta melhoria das condições de vida, que se estende pela 2ª metade do século passado, não diminuiu todavia as dificuldades da árdua labuta piscatória e agrícola. Pese embora as transformações económicas e sociais verificadas no último quartel do séc. XX, decorrentes particularmente da adesão de Portugal à União Europeia, esta labuta continua a pautar a vida das gentes de Peniche, moldando a maneira de ser do Homem e da Mulher penichenses.
-
História em Datas
- Pormenor do portal da Igreja de S. Leonardo
A História do território que actualmente corresponde ao concelho de Peniche fez-se de inúmeros factos e acontecimentos de natureza política, económica, social e cultural, de que seguidamente se salientam aqueles considerados mais significativos.- 61 a. C. – Júlio César derrota um grupo de lusitanos que se refugiara numa ilha junto à costa, território possivelmente correspondente à ilha de Peniche;
- 1147 – Em carta escrita por cruzado que se encontra em Atouguia nas vésperas da tomada de Lisboa é referido o carácter insular de Peniche, informando que este território dista do continente cerca de 800 passos (1200 metros);
- 1148 – D. Afonso Henriques doa ao cruzado franco Guilherme de Cornes a herdade de Atouguia;
- 1252 – D. Afonso III mandou que as rendas que se tirassem do azeite das baleias como de outras coisas, do porto de Atouguia, se aplicassem no pagamento de uma dívida ao Mosteiro de Alcobaça;
- 1307 – D. Dinis, encontrando-se em Atouguia, concedeu esta vila com sua alcaidaria e todos os seus direitos à rainha D. Isabel;
- 1340 – D. Afonso IV arrendou, por um período de seis anos, todas as baleações existentes no reino, ao mercador Afonso Domingues, reservando-lhe o direito de ter, em Peniche, casas de pousada e de depósito para madeira e sal;
- 1375 – D. Fernando reúne as Cortes em Atouguia;
- 1393 – D. João I reúne as Cortes na Serra d’El-Rei;
- 1438 – D. Duarte manda alargar o estuário do rio de Atouguia dado o progressivo assoreamento, que faz perigar muitas das embarcações que demandam o porto.
- 1449 – D. Afonso V doa as Berlengas e o Baleal ao Infante D. Henrique;
- 1487 – Carta régia de D. João II onde se fala já em Atouguia da Baleia;
- 1497 – D. Manuel concede aos moradores de Peniche a possibilidade de possuírem carniçaria e carniceiro, não sendo obrigados a ir comprar a Atouguia da Baleia a carne que necessitavam, e de cortarem a lenha de que as suas casas tivessem necessidade;
- 1503 – D. Manuel concede aos moradores de Peniche a possibilidade de semearem a zona do reguengo entre os lugares velho (Gamboa) e novo (Ribeira);
- 1527 – Pelo recenseamento mandado fazer por D. João III, a população da região repartia-se pelos seguintes vizinhos: Peniche (Peniche de Cima): 47; Ribeira (Peniche de Baixo): 144; Atouguia: 121; Serra d’El-Rei: 56; Geraldes: 19; Ferrel: 10; Bufarda: 8; Bolhos: 7; Ribafria: 6; Coimbrã: 6; Casais de Mestre Mendo 5; Carnide: 4; Reinaldes: 4; Fetais e Casais Brancos: 3;
- 1537 – Dados os constantes ataques de corsários nesta região, D. João III mandou que os mares de Peniche e Atouguia fossem patrulhados por quatro navios armados para o efeito.
- 1544 – D. Afonso de Ataíde, senhor de Atouguia, escreve a D. João III dando conta da necessidade de fortificar a ilha/península de Peniche;
- 1557 – Por ordem de D. Sebastião, é mandado construir o Baluarte Redondo - primeira fortificação a ser erigida na ilha/península de Peniche.
- 1568 – D. Luís de Ataíde, conde de Atouguia, é nomeado pela primeira vez Vice-Rei da Índia por D. Sebastião, cargo que volta a desempenhar em 1577;
- 1589 – Desembarca na baía meridional do istmo de Peniche, um exército inglês liderado por D. António Prior do Crato, tendo como objectivo a tomada de Lisboa e a restauração da independência;
- 1609 – A povoação de Peniche é elevada por Filipe II à categoria de Vila e sede de concelho;
- 1642 – O Conselho de Guerra instaurado por D. João IV após a Restauração considera Peniche “a principal chave do reino pela parte do mar” dando início a uma ampla política de fortificação desta região;
- 1666 – Refrega entre uma esquadra espanhola composta por quinze embarcações e a guarnição do Forte de S. João Baptista, na Ilha da Berlenga;
- 1712 – Peniche contava à data com 900 vizinhos, ou seja, cerca de 3600 habitantes;
- 1735 – Existiam nas fortificações da região de Peniche cerca de 50 peças de artilharia, ervindo uma guarnição permanente composta por 316 militares;
- 1755 – Por efeito do terramoto o mar galgou o istmo causando vastos danos, nomeadamente arrasando parte da muralha existente no sítio do Quebrado, destruindo na povoação alguns edifícios, afundando várias embarcações, e causando a morte a mais de 50 pessoas;
- 1759 – Foi supliciado D. Jerónimo de Ataíde, 11º conde de Atouguia, acusado de cumplicidade no processo dos Távoras e por ordem do Marquês de Pombal, foram salgadas as casas do condado e picadas as armas dos Ataídes existentes na Fortaleza de Peniche, no Baluarte Redondo, no Paço da Serra d’El-Rei, na Igreja de S. Leonardo e no Pelourinho de Atouguia da Baleia;
- 1786 – Naufraga nos rochedos da Papoa o navio espanhol San Pedro de Alcantara, proveniente do Peru, acontecimento no qual perderam a vida 128 pessoas;
- 1807 – A Praça de Peniche é ocupada por um regimento napoleónico comandado pelo general Thomières;
- 1808 – Dá-se em Peniche um pequeno levantamento popular rapidamente sanado pelo invasor napoleónico, que ainda nesse ano retira desta praça militar;
- 1814 – O Governador da Praça Militar de Peniche, Richard Blunt oferece à Câmara os seus préstimos no sentido de ser criado um prémio anual que premeie a mulher de Peniche que apresente a renda de bilros mais fina e de maior preço;
- 1828 – Participação dos procuradores de Atouguia da Baleia nas cortes miguelistas;
- 1832 – No âmbito das Guerras Liberais verificam-se vários recontros bélicos entre as tropas liberais instaladas em Peniche e a guarnição miguelista de Óbidos;
- 1836 – Atouguia da Baleia deixa de constituir concelho, sendo o seu termo integrado no de Peniche;
- 1851 – As Rendas de Bilros de Peniche foram premiadas com Medalha de Prata nas Exposições Internacionais de Paris e de Londres;
- 1861 - As Rendas de Bilros de Peniche obtêm a Medalha de Prata na Exposição Nacional do Porto;
- 1867 – A Vila de Peniche é elevada a cabeça de distrito marítimo;
- 1887 – É inaugurada a Escola Industrial Rainha D. Maria Pia, instituição centrada no ensino da arte das Rendas de Bilros;
- 1901 – Chegam a Peniche perto de 400 boers, refugiados da guerra travada com os ingleses na África do Sul, ficando a maioria instalada na Fortaleza;
- 1904 – Conforme um questionário recebido da Companhia Real dos Caminhos de Ferro, à data, as maiores indústrias do concelho eram a pesca, as rendas de bilros, e a seguir, o fabrico de telha, tijolos e loiças. Como principais produtos agrícolas são apontados o vinho, o milho, o feijão, a cevada, a batata e a cebola;
- 1908 - As Rendas de Bilros de Peniche são distinguidas com a Medalha de Ouro na Exposição Internacional do Rio de Janeiro;
- 1917 – Partem para França e África, integrados no Corpo Expedicionário Português, vários naturais de Peniche, ao mesmo tempo que a Fortaleza acolhe alguns prisioneiros de guerra alemães;
- 1924 – A Carminha, de Manuel Farto, é a primeira traineira a motor do Porto de Peniche;
- 1930 – A energia eléctrica chega à Vila de Peniche;
- 1931 – O concelho de Peniche conta com mais de 16000 habitantes;
- 1934 – No espaço da Fortaleza de Peniche passa a funcionar uma prisão política do Estado Novo até Abril de 1974;
- 1945 – Iniciou-se a construção do porto de abrigo, com o prolongamento do molhe Oeste e o início das obras no molhe Leste.